O Programa Municipal de Pacificação Restaurativa Petrópolis da Paz adotou a camélia, flor originária do Oriente, como símbolo. Por que – muitos devem perguntar – se Petrópolis é conhecida como Cidade das Hortênsias?
A camélia tem, no Brasil, uma história muito interessante relacionada à liberdade e à questão da mediação entre partes conflitantes.
Tudo começou com o português José de Seixas Magalhães, à época da libertação dos escravos. Seixas possuía uma chácara no bairro carioca do Leblon, que nem de longe era um dos endereços mais nobres e caros do país. Pelo contrário, o Leblon era um local inóspito e de difícil acesso. O lugar que abrigaria a chácara foi comprado do francês Charles Le Blon (daí o nome do bairro). Ele era, inclusive, dono de todas as terras da região.
Na chácara, José Seixas cultivava flores; camélias, em sua maioria. E com a ajuda de escravos fugidos. Isso porque nosso bom e destemido português, sob o amparo dos principais abolicionistas do Rio de Janeiro, acolhia escravos fugidos. Por isso, a tão bucólica chácara era conhecida como Quilombo do Leblon. As camélias, por isso, se tornaram símbolo do movimento abolicionista. Ela adornava a lapela dos homens e o colo das mulheres que se empenhavam para que os escravos fossem definitivamente libertados. Era uma espécie de código de identificação entre os abolicionistas, principalmente na hora de auxiliar os escravos em fugas ou para lhes conseguir esconderijos.
O Quilombo do Leblon também contava com a proteção e a cumplicidade da própria Princesa Isabel. Como prova de gratidão, José Seixas de Magalhães fornecia regularmente camélias para o Palácio Isabel, então residência oficial de Sua Alteza. Hoje, o local abriga a sede do Governo Estadual do RJ e é conhecido como Palácio das Laranjeiras. As camélias enfeitavam a mesa de trabalho e também a capela particular da Princesa Isabel. Além disso, mudas foram plantadas na residência de verão da Família Imperial, em Petrópolis (RJ). Tempos depois, o aprazível lugar se transformaria no Museu Imperial. A amizade entre Isabel e Seixas foi tão forte que a pena com a qual a Princesa assinou a Lei Áurea foi presente dele.
Um fato por demais importante marca a história do tão significativo Quilombo dos Palmares: ele foi o primeiro quilombo abolicionista, o pioneiro na aliança entre negros e brancos para a acabar com a escravidão no país. A camélia, nesse contexto, surge como símbolo forte, de apoio declarado aos ideais de liberdade vigentes.
Corria o início do ano de 1888. No intuito de arrecadar fundos para a Confederação Abolicionista – projeto encabeçado por intelectuais e que visava à inserção social dos escravos libertos –, a Princesa Isabel e seu marido, o Conde D’Eu, organizam em Petrópolis, no dia 12 fevereiro, em pleno carnaval, a Batalha das Flores. Uma comitiva encabeçada pelo casal imperial saiu às ruas, em carruagens ornamentadas por camélias, para sensibilizar a alta sociedade petropolitana para aderir à causa. Recolhiam doações e retribuíam com as flores.
E quando da assinatura da Lei Áurea, foram entregues à Redentora dois buquês de camélias. Um artificial, pela diretora da Confederação Abolicionista. Outro, de flores naturais, vindo do Quilombo do Leblon.
A camélia é o símbolo do Programa Municipal de Pacificação Restaurativa Petrópolis da Paz porque, historicamente falando, é o símbolo, no Brasil, de uma paz que se constrói pelo entendimento, pela assertividade e pela perseverança em fazer a sociedade compreender que é preciso mudar sem necessidade de haver vítimas e algozes, perdedores e ganhadores.
É assim que a paz precisa se estabelecer entre os homens. Não a paz que seja sinônimo de placidez e inércia. Mas a paz ativa, que faz o mundo enxergar a certeza de poder haver conquistas e mudanças por meio da participação lúcida e corajosa de todos.
Petrópolis da paz!